Disciplina - Educação Física

Xadrez

Introdução "Os hindus explicam pelas casas do tabuleiro a passagem do tempo e das idades, as grandes influências que regem o mundo e os vínculos que unem o xadrez com as almas humanas."

Al Masudi, historiador árabe, no ano de 947.

Há aproximadamente mil e quinhentos anos, na Índia, surgiu o Chaturanga, que se transformou no atual jogo de xadrez.

Por intermédio de muitas guerras e na busca por novas rotas comerciais, o xadrez foi introduzido nos países ocidentais, e na Idade Média passou por algumas metamorfoses que o conduziram à forma atual.

A característica principal do xadrez praticado na Idade Média era a profunda elitização que sofria, sendo chamado "jogo dos reis e rei dos jogos".

Uma mudança importante se deu no século XV quando Gutenberg criou o tipo móvel, possibilitando a impressão de livros de xadrez, como é o caso do Arte breve y introduccion muy necessaria para saber jugar el Axedrez (LUCENA, 1497). A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro possui um dos poucos exemplares deste livro existentes no mundo. Com a proliferação dos livros de xadrez ocorreu a primeira democratização significativa do jogo.

A segunda democratização ocorreu na Europa do leste, já no início deste século, quando a recém-formada URSS adotou-o como complemento à educação, tornando-se hegemônica nesse esporte.

A terceira democratização iniciou-se com a revolução dos computadores e o advento da Internet, na segunda metade desse século. A partir da década de 50, na busca por construir máquinas inteligentes, ciências como Psicologia e Inteligência Artificial apresentaram estudos que aceleraram a produção de enxadristas eletrônicos culminando com o Deep Blue, que derrotou Garry Kasparov. Os softwares e hardwares a cada dia tornam-se mais poderosos e imprescindíveis aos enxadristas de alto nível.

A Internet representa o apanágio dessa terceira revolução por possibilitar o acesso quase instantâneo às informações referentes às partidas jogadas em torneios no mundo todo.

"A impossibilidade de conhecer o melhor lance em uma partida de xadrez é que eleva o xadrez de um jogo científico para uma forma de arte, um meio de expressão individual."

John R. Bowman (físico)

Os Jogos e a Educação


Em princípio devemos entender o jogo como uma atividade que obedece ao impulso mais profundo e básico da essência animal. Esta atividade inicia-se em nossas vidas com os mais elementares movimentos, complicando-se até dominar a enorme complexidade do corpo humano.

Os primeiros jogos que a criança faz são os chamados jogos de exercício, utilizando como principal objetivo o seu próprio corpo. Os bebês chupam suas mãos, emitem sons e repetem diversos movimentos sem finalidade utilitária.

A transição dos jogos de exercícios para os simbólicos marca o início de percepção de representações exteriores e a reprodução de um esquema sensório-motor fora de seu contexto.

Podemos dizer que o jogo simbólico é um jogo de exercício sendo o que exercita é a imaginação.

Ao chegar o período das operações concretas (por volta dos sete anos de idade) a criança, pelas aquisições que fez, pode jogar atendo-se a normas. Surgem então os jogos de regras, e ela terá que abandonar a arbitrariedade que governava seus jogos para adaptar-se a um código comum, podendo ser criado por iniciativa própria ou por outras pessoas, mas que deverá acatar limites porque a violação das regras traz consigo um castigo.

Isto ajudará a criança a aceitar o ponto de vista das demais, a limitar sua própria liberdade em favor dos outros, a ceder, a discutir e a compreender.

Quando se praticam jogos de grupo a experiência se engrandece já que a sociabilidade é agregada à vida da criança, surgindo assim os primeiros sentimentos morais e a consciência de grupo.

Quando a criança joga compromete toda sua personalidade, não o faz para passar o tempo. Podemos dizer, sem dúvida, que o jogo é o "trabalho" da infância ao qual a criança dedica-se com prazer.

Pode-se perceber através do que foi exposto o valor educativo que a prática lúdica possui. Muitos psicólogos afirmam que os primeiros anos são os mais importantes na vida do homem sendo que a atividade central manifestada é o jogo. É notável o que se pode aprender construindo seus próprios jogos, utilizando conceitos de plano inclinado, polias, velocidade, etc., coisas que só serão ensinadas muito depois no período escolar.

Um erro que muitos professores cometem é não valorizar em toda sua extensão esta atividade, extraindo o que ela contém de educativo.

A criança que ingressa na escola deverá adaptar-se às rotinas escolares acarretando mudanças importantes na sua vida, e sua vida dedicada ao jogo terá uma mudança brusca.

Temos que aprender a diferenciar o que significa o jogo para o adulto e para a criança. Para nós, por que assim nos educaram, é o que fazemos quando não se tem alguma coisa mais importante, e desejamos preencher horas vazias com algum lazer. Para as crianças é todo um compromisso no qual lutam e se esforçam se algo não sai como querem.

Por isso o xadrez merece crédito, porque ensina as crianças o mais importante na solução de um problema, que é saber olhar e entender a realidade que se apresenta.

No xadrez, como as peças não têm valores absolutos, deve-se monitorar tanto as próprias como as do adversário para implementar sua estratégia. Dito de outra forma: ter a percepção da flexibilidade e reversibilidade do pensamento que ordena o jogo.

É comum notar crianças fracassando em matemática, por exemplo, por não entenderem o que enunciado do problema lhes diz. Não sabem analisá-lo, aprendem fórmulas de memória; quando encontram textos diferentes não acham a resposta correta.

Deve-se conseguir que as crianças encontrem seu próprio sistema de ação e para isso tem-se que evitar, sempre que possível, as soluções mecanizadas. Assim, no Ensino Médio, com os dados de um teorema e sua idéia, a demonstração pode ser encontrada pelo aluno, porém para que isso aconteça é importante um certo treino no Ensino Fundamental.

Em uma época na qual os conhecimentos nos ultrapassam em quantidade e a vida é efêmera, uma das melhores lições que a criança pode obter na escola é como organizar seu pensamento, e acreditamos que esta valiosa lição pode ser obtida mediante o estudo e a xadrez.

1.1 Período Primitivo (até 500 dC)


O período primitivo da história do xadrez não pode ser estudado sem um conhecimento prévio de outros jogos de tabuleiro. É necessário observar os jogos que existiam antes do xadrez aparecer, e somente depois é possível entender as fontes e razões que fizeram surgir o xadrez. Hoje, historiadores do xadrez como Yuri Averbach, acreditam na possibilidade do xadrez ter evoluído de um jogo de corrida, embora essa questão esteja longe de ser consensual, como pode ser visto nesta passagem:

The theory that chess is a development of an earlier race game involves the hypothesis that some reformer changed the whole nomenclature in order to make it self-consistent as a war game and secured the agreement of all his contemporaries. I find this hypothesis incredible. (MURRAY, 1913, p. 50).

1.2 Período Sânscrito (de 500 a 600)


É geralmente aceito que é o ancestral do xadrez mais antigo conhecido surgiu na Índia entre os séculos VI e VII da era cristã e chamava-se Chaturanga (jogo dos quatro elementos). Era praticado tanto por duas como por quatro pessoas. Descreveremos a forma para quatro pessoas. Cada jogador possuía oito peças: um Ministro (hoje Dama), um Cavalo, um Elefante (hoje Bispo), um Navio (mais tarde uma Carruagem e hoje a Torre) e quatro Soldados (atualmente os Peões). A arrumação das peças era feita como mostra a Figura 1. O tabuleiro era monocromático (de uma só cor) e as peças dos quatro jogadores diferenciavam-se pelas cores vermelha, verde, negra e amarela. A peça a ser movimentada era definida por um lance de dados.

Aos poucos os dados foram eliminados e a forma dominante de praticar este jogo acabou sendo a de duas pessoas.

1.3 Período Persa (de 600 a 700)


Por volta do século VII o xadrez chegou na Pérsia e passou a ser chamado Chatrang, sendo mencionado em muitos textos deste período. As primeiras peças de xadrez descobertas também datam desta época.

1.4 Período Árabe (de 700 a 1200)


Com a Pérsia sendo conquistada pelos árabes o jogo passou a ser chamado de Shatranj. Logo se tornou muito popular no mundo árabe e surgiram os primeiros grandes jogadores que desenvolveram a teoria e chegaram inclusive a praticá-lo às cegas. Os árabes difundiram o xadrez pelo norte da África e Europa, através invasão da Espanha.

1.5 Período Europeu (de 1200 a 1600)


Por volta do século IX o xadrez foi introduzido na Europa pela invasão da Espanha pelos Mouros, e no século XI já era amplamente conhecido no velho mundo.

No século XIII as casas do tabuleiro passaram a ser dividas em duas cores para facilitar a visualização dos enxadristas.

Por volta de 1561 o padre espanhol Ruy Lopez de Segura, que foi o melhor jogador deste período, propôs a utilização do roque. Esta alteração será aceita na Inglaterra, França e Alemanha somente 70 anos depois. O movimento En Passant já era usado em 1560 por Ruy Lopez, embora não se conheça seu criador. O duplo avanço do peão em sua primeira jogada surgiu em 1283, em um manuscrito europeu.

Mas uma das principais alterações aconteceu aproximadamente em 1485, na renascença italiana, surgindo o xadrez da "rainha enlouquecida". Até esta época não existia ainda a peça rainha, e em seu lugar havia uma chamada Ferz, que era uma espécie de Ministro. Ele, que só podia deslocar-se uma casa por vez pelas diagonais, transformou-se em Dama (Rainha) ganhando o poder de mover-se para todas as direções.

Os Bispos, que se moviam em diagonal duas casa, passaram a ter também mais liberdade movendo-se por todas as casas livres da diagonal. Os Peões que chegassem à última fila seriam promovidos a uma peça já capturada. Atualmente, os Peões podem ser promovidos a Dama, Torre, Bispo ou Cavalo.

2.1 Período Clássico ou Romântico (de 1600 a 1886)


Este período é caracterizado principalmente por uma preponderância do elemento criativo, sobre o esportivo. Não bastava ganhar, mas tinha que ser feito com estilo. O jogo aberto, com ataque rápido e fulminante cheio de belas combinações, foi marca registrada do movimento.

Nomes como Greco, Stamma, Philidor, Deschapelles e Laboudonnais são alguns dos precursores do movimento, mas é através de Staunton, Anderssen e Morphy que o movimento chegou a maturidade.

Em 1851 foi realizado o primeiro Torneio Internacional durante a Exposição Universal de Londres, e foi vencido pelo alemão Adolf Anderssen.

Morphy foi o melhor jogador deste período e suas contribuições para o desenvolvimento do xadrez são indeléveis:

En dos direcciones se dirige la aportación esencial de Morphy en el terreno de la técnica ajedrecística, es decir en el conocimiento de los principios posicionales que se popularizarían más tarde. El primer principio (...) estipula que cada jugada debe contribuir en lo posible al desarrollo; el segundo afirma que el buen desarrollo se hace tanto más efectivo cuanto de la posición abierta. Esto equivale a decir que al bando mejor desarrollado le interesa abrir el juego y al peor desarrollado mantenerlo cerrado en lo posible. (RETI, 1985, p. 22).

2.2 Período Científico (de 1886 a 1946)


Este período foi marcado pelas ideias de Wilhelm Steinitz que lançou as bases do xadrez moderno. Suas ideias estão incorporadas no que chamamos hoje de o xadrez posicional, e por isso é considerado uma espécie de Aristóteles do xadrez. RETI expressa bem as diferenças entre as escolas Romântica e Científica quando analisa os estilos de Morphy e Steinitz:

Morphy era muy superior a sus coetáneos en las partidas abiertas, ya que había descubierto el secreto siguiente: el desarrollo acelerado de las piezas constituye el punto decisivo. Las partidas cerradas eran su lado débil, y en ellas no superaba a los maestros de su tiempo. Cerradas eran casi todas las partidas que perdió Morphy. A otro jugador le tocaba revelarnos nuevos conocimientos en este campo: Wilhem Steinitz. Steinitz sabía que las posiciones cerradas no dependen tanto del desarrollo de las piezas como de ciertas ventajas posicionales duraderas. Estas se caracterizan a través del material existente en el tablero y de la estructura de peones. (RETI, 1985, p. 27).

Os planos de Steinitz são novos, baseados no acúmulo de pequenas vantagens que o adversário cede, onde se consideradas separadamente, nada representam, mas acumuladas podem constituir uma vantagem decisiva. Um dos méritos de Steinitz foi perceber que uma partida de xadrez gira em torno de um delicado equilíbrio de forças.

Para conseguir vantagem em um desses elementos (Tempo, Espaço e Matéria), deve-se ceder algum outro tipo de vantagem de igual ou aproximado valor. Em outras palavras, nada se obtém grátis em uma partida bem equilibrada de xadrez. Steinitz foi campeão mundial por 28 anos, de 1866 a 1894.

Emanuel Lasker, que derrotou Steinitz, foi também uma figura singular do xadrez. Doutor em filosofia e matemático, via o xadrez como uma constante luta de duas vontades. Também como Steinitz procurou desvendar os princípios fundamentais que regem a conduta da partida de xadrez, mas posicionou o escopo de sua análise tanto na técnica quanto nas idiossincrasias do enxadrista. O seu estilo, que consistia em desequilibrar a posição nem sempre realizando as melhores jogadas, mas sim o lance mais desagradável para cada adversário, recebeu o nome de Escola Psicológica.

Após manter-se como Campeão Mundial por 27 anos, de 1894 a 1921, Lasker perdeu o título para o cubano José Raul Capablanca.

Capablanca, mestre do xadrez posicional, foi um dos melhores jogadores de todos os tempos. Aprendeu o jogo aos quatro anos e demonstrou uma aptidão natural para o xadrez jamais vista. Era praticamente imbatível e não perdeu nenhuma partida oficial de 1915 a 1924, mas enfim perdeu o título mundial em 1927 para Alexander Alekhine.

Para Capablanca cada partida era única e cada lance que executava tinha significação particular. Ao contrário do princípio de Morphy que estabelecia para a abertura o desenvolvimento de uma peça em cada lance, sua teoria era que uma peça deve ser jogada quando e onde seu desenvolvimento se encaixe no plano de jogo que o enxadrista tem em mente.

2.3 Período Hipermoderno (de 1916 a 1946)


Com a descoberta das leis que governam o jogo posicional o xadrez passou por um período um pouco engessado, onde os dogmas clássicos deveriam ser sempre observados. Foi então que jovens talentosos enxadristas como Alekhine, Reti, Bogoljubow e Breyer ousaram questionar estes dogmas. Nas palavras de RETI:

Mientras los jóvenes maestros estábamos aprendiendo a conocer el método propio de Capablanca que estipula que toda jugada debe estar inserta en un plan y no tiene valor por sí (regla que contraviene a veces el principio de Morphy por el cual cada jugada debe acelerar el desarrollo), empezamos a constatar que ya no servían las jugadas que pasaban por ser naturales y eran efectuadas de modo rutinario por cualquier jugador experimentado. Este es un caso especial en las ideas generales presentadas por los modernos. De ahí concluimos que existe ante todo una diferencia de principio entre las leyes científicas que se dan en la Física o las Matemáticas y las, así llamadas, reglas de ajedrez. Tal diferencia se esclarece cuando observamos que las leyes naturales tienen una aplicación universal, mientras que los principios estratégicos generales del ajedrez constituyen axiomas prácticos que en el algunos casos tienen sus excepciones. Sucede lo mismo con los principios de ajedrez que con las reglas universales de conducta en la vida: no basta con que el hombre actúe invariablemente de acuerdo con los más reconocidos principios para que se convierta forzosamente en un individuo de grandeza sin igual. (RETI, 1985, p. 65).

Em 1924, foi fundada em Paris a Fédération Internationale des Échces (FIDE). Com 156 federações nacionais filiadas representando mais de cinco milhões de jogadores registrados é uma das maiores organizações esportivas mundiais reconhecidas pelo International Olympic Committee (IOC).

2.4 Período Eclético (a partir de 1946)


Este período é caracterizado pela incorporação e refinamento dos princípios descobertos anteriormente. Os Grandes Mestres deste período são exímios tanto na tática quanto na estratégia, embora muitas vezes seu estilo possa pender para o jogo posicional ou tático.

Com a morte de Alekhine em 1946 o título mundial ficou vago e a FIDE passou a regulamentar a disputa pelo título, sendo que a primeira aconteceu em 1948 e foi vencida por Mikhail Botvinnik (Rússia). Os campeões a partir daí foram os seguintes foram: Vasily Smyslov (Rússia), Mikhail Thal (Letônia), Tigran Petrossian (Armênia), Boris Spassky (Rússia), Bobby Fischer (EUA), Anatoly Karpor (Rússia), Garry Kasparov (Azerbaijão), Alexander Khalifman (Rússia), Viswanathan Anand (Índia), Ruslan Ponomariov (Ucrânia) que é o mais jovem campeão mundial da história.

No campo escolar um ponto importante deve ser assinalado. Em 1986 a FIDE e a UNESCO criaram o Committee on Chess in Schools (CCS) que tem um importante papel na difusão do ensino e na democratização do xadrez enquanto instrumento pedagógico.

Este conteúdo foi acessado em 22/08/2012 no site do CEX - Centro de Excelência de Xadrez. Todas as informações contidas nela são de responsabilidade do autor.
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