Disciplina - Educação Física

Educação Física

18/11/2011

As danças de raízes africanas e o valor do negro no Brasil

Por Revista África e Africanidades
Entre os povos africanos emigrantes (trazidos ao Brasil), a dança e a música sempre tiveram uma função social e religiosa. No período da escravatura, a população negra tinha restrita liberdade e, muitas vezes, só podia recorrer ao canto e à dança para manter viva sua cultura, união e identidade. “Principalmente na África do Sul, pode-se observar cenas de dança, em solo ou coletivas [...]”, segundo Bourcier (2006, p. 12), o qual complementa que “os documentos mostram o nascimento da dança cerimonial leiga [...]”.
As diversas culturas negras que aportaram ao Brasil se mesclaram numa gama de variedades dançadas e, dessa forma, surgiram os ritmos urbanos de influência negra, como o lundu.
Para Guerra (2009, [s.p.]), “O Lundu, descendente direto dos batuques africanos, é considerado a primeira música afro-brasileira”; o samba urbano mantém viva, embora modificada, a herança cultural trazida pelos escravos; e o batuque é uma das danças folclóricas mais antigas e populares trazida pelos negros africanos. Os meneios vivazes das ancas e o sapateado caracterizam a dança do jongo (também chamada de caxambu e voltado para o divertimento), e, mais recentemente, o pagode, o rap e o hip-hop todos ritmos de herança negra.
Para as culturas negras, a dança afro não tem um sentido próprio único, pois ela está sempre ligada a um culto e a música, assim, tem relação com a religião e com a arte.
Carvalho (2000, p. 25) interpreta Rodrigues, dizendo que, “[...] ao som de tambores e das melopéias africanas, tão monótonas, passam os negros noites inteiras e esgares coreográficos, em danças e saltos indescritíveis”. Infelizmente, hoje, o próprio negro não conhece o seu passado na forma da dança como deveria. E, dentro do âmbito escolar, a carência cultural africana é ainda maior.
A influência dos negros no Brasil se estende aos cultos, à religião, à literatura, à língua, à culinária, à dança, entre outras áreas. Nesse sentido, Garcia & Hass, (2003, p. 174) disseram sobre a dança afro-brasileira: “Dança comprometida como a dança gerada a partir da fusão das danças da cultura africana com as da cultura brasileira. Apresenta característica especial nas movimentações dos braços e das mãos, da cabeça, do tronco (ondulação e contração), dos quadris (acentuada movimentação pélvica) e molejo, na expressão facial e vestuário adequado a sua intenção de manifestação”.
Nas manifestações folclóricas, por exemplo, a contribuição negra foi extensa, apesar de, nos dias atuais, ser muito difícil saber o que realmente possui uma origem africana, tão grande é a fusão entre elementos brancos, indígenas e negros. Vale ressaltar que o folclore brasileiro formou-se ao longo dos anos, principalmente, com a contribuição dos índios, brancos e negros. Segundo a Carta do Folclore Brasileiro, aprovado no I Congresso Brasileiro de Folclore em 1951, “[...] constituem fato folclórico as maneiras de pensar, sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição popular ou pela imitação”.
Provavelmente, a primeira manifestação folclórica dançada pelo negro no Brasil foram os congos, que surgiram no início do século XVIII. Os congos são danças dramáticas com enredo e personagens bem definidos: o rei, a rainha, o mameto (príncipe), o capataz, o quimboto (feiticeiro), príncipes, princesas, guerreiros. O curioso é que a religião católica usava a festa para administrar seus poderes. A encenação era realizada em frente a uma igreja e um padre sempre participava do evento para coroar o rei negro. Carvalho elenca Ramos (2000, p. 27) e afirma que esses congos “[...] nada mais eram do que a sobrevivência da coroação de monarcas africanos nas terras de origem”. O congo foi proibido em 1808, quando da chegada da corte portuguesa ao Brasil, mas sobreviveu em pontos afastados, dando origem à congada, ao maracatu, ao moçambique. Conforme Souza (2008, p. 134), “[...] nas congadas, maracatus, capoeiras e reisados, os ritmos africanos estão na base da música tocada”. Segundo a interpretação de Cascudo (1984, p. 242): “Congadas, congados, congos, autos populares brasileiros, de motivação africana, representados no Norte, Centro e Sul do país. Os elementos de formação são: A) coroação dos reis de congo; B) préstitos e embaixadas; C) reminiscências de bailados guerreiros, documentativos de lutas [...]”.
A coroação dos reis de Congo, ocorrência comum em todo o País nas festas em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, foi criação dos negros africanos escravos no Brasil, sendo que nunca houve grupos semelhantes na África. Os reinados de congos são fruto da escravatura, incentivada pelas autoridades locais como forma de manter a calma e a ordem nas senzalas, que se confortavam ao verem seus reis coroados. Essas comemorações estão presentes do norte ao sul do Brasil, de formas variadas (CÔRTES, 2000, p. 144).
A dança do lundu, de tão sensual que era, mexeu profundamente com os corpos e com a moral da sociedade do período colonial brasileiro. Ellmerich (1972, p. 43) afirma: “Lundu – dança e canto de procedência africana, primitivamente espécie de samba indecente”.
Dessa forma, foi perseguido e proibido pela corte portuguesa e pelo clero, entretanto, como muitas das formas da cultura popular, continuou a ser dançado às escondidas. Côrtes (2000, p. 52) relata em seu estudo: “A mais sensual dança brasileira, originária dos escravos angolanos, chegou em alguns lugares a ser proibida. A igreja católica, que a considerava profana e imoral”.
A prática da dança do lundu envolve uma encenação do assédio e da conquista sexual de um homem sobre uma mulher. Em grande parte da dança, a mulher esnoba o pretendente, usando de meneios que visam seduzi-lo. Ao final da cena deve ocorrer o clímax do ato sexual, quando o casal pode até deitar-se no chão para representar melhor o ato e, depois, os casais voltam a dançar em pé no salão, normalmente. O lundu que chegou aos salões evitava a última cena, mas não abdicava da sensualidade em demasia. O acompanhamento musical já era mesclado de percussões com as cordas (banjo, cavaquinho, rabeca) e instrumento de sopro como o clarinete. O Lundu foi uma das primeiras danças brasileiras de pares enlaçados, pois até então se dançava umbigada, que é dança de pares soltos. No século XIX, quando o lundu se tornou conhecido, os ritmos ainda não estavam muito bem definidos, causando alguns questionamentos sobre as semelhanças e as diferenças entre o fado, que, tendo nascido em terras brasileiras, foi se desenvolver em terras lusitanas, e é o lundu brasileiro que fez sucesso em Portugal. Côrtes (2000, p. 52) relata a dança do lundu da ilha de Marajó: “Nela, homens e mulheres, em movimentos frenéticos de quadris, sob o som de batuques, simulam um ritual de amor. A coreografia desenvolve-se, a princípio, como recusa da mulher, mas, diante a insistência de seu companheiro, ela acaba por ceder”.
O entendimento de Cascudo (1984, p. 446) é o de que “Lundum, landu, londu, dança e canto de origem africana, trazidos pelos escravos bantos, especialmente de Angola, para o Brasil. A chula, o tango brasileiro, o fado, nasceram ou muito devem ao lundu”.

Este recorte foi acessado em 16/11/2011, estando presente na íntegra na Revista África e Africanidades - Ano III - n. 12 – Fev. 2011 - ISSN 1983-2354. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.
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